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sexta-feira, 4 de julho de 2025

A arte da frescura

 




Peço desculpas. O título original deste texto seria “Como ser chique”. Mas chique virou uma palavra brega. As pessoas ricas e sofisticadas gostam de dizer que são simples. Tenho uma amiga dona de um conversível de luxo. Sempre diz:

– Só tenho esse carro porque gosto de sentir o vento na cara, o contato com a natureza.

Mentira. Para sentir o ventinho, bastava arrumar um leque de papel. O conversível é seu segundo carro. O primeiro, obviamente, é blindado. Quem usa a palavra chique hoje em dia é gente de classe média. Existe um truque para parecer sofisticado: fazer expressão de tédio, sempre. Na primeira classe ou até na executiva de um avião. O rico, que pode ter sido obrigado a ir na executiva por falta de primeira, só aceita água. Oferecem todos os vinhos maravilhosos, ele faz ar de exaustão e fica na água com a saladinha – porque rico não come, faz regime o tempo todo. Classe média é aquele que se atira em todos os vinhos, aperitivos, itens do menu. O rico coloca a máscara preta nos olhos, toma um calmante e dorme até o pouso. Recentemente fui a um restaurante francês, o Ambroisie, um dos melhores de Paris. Comi ovo pochè com caviar, me deliciei, espalhei gema no rosto, lambi o prato. E ainda pus uma foto no Instagram. Uma pobreza, reconheço. Alguém sofisticado olharia o prato com desprezo e mandaria trocar, usando algum pretexto, como não gostar de gema mole.

Mandar trocar é outro item de sofisticação. Você já viu alguém degustar o vinho e devolver no restaurante? Ninguém tem coragem, se servirem vinagre, nós, pobres tímidos de classe média, brindamos e fingimos que está bom. Não conheço vinho, mas, como fico sem jeito de confessar essa falha, digo que está bom. Todo mundo é um pouco assim. Menos o rico, que realmente conhece a uva e a safra. Devolve a garrafa e faz o restaurante arcar com o preju. Para fazer o gênero simples, como manda o cânone da riqueza, um milionário conhecido meu diz que adora comida caseira:

– Para mim, feijão com arroz e pastel é a melhor comida do mundo!

E ainda pensa que a gente acredita! Outra amiga milionária apareceu numa festa com um par de brincos enormes. Agitando os dedos com diamantes, contou que havia comprado na 25 de Março, onde passara o dia – para quem não é de São Paulo, a 25 é uma rua de comércio bem popular. Imaginei a rica cercada de seguranças no meio dos camelôs. Devem ter pensado que era alguma nova candidata à Presidência fazendo comício.
A arte da frescura é cheia de armadilhas. Os realmente sofisticados têm um universo particular. Dia desses vi uma bolsa de quase R$ 200 mil. Juro, 200 mil. É de uma grife famosa, toda em couro de crocodilo. Uma mulher exagerada pode até comprar em parcelas e desistir da entrada para a casa própria. E alucinar as amigas numa festa, exibindo o tesouro. A rica compra, enche como se fosse um sacolão. Atira em cima da mesa, como se estivesse farta da bolsa, da vida e da humanidade em geral. Gente sofisticada cria cavalos, faz festas de casamento onde é proibido fotografar, com bolos tipo esculturas, defende a ecologia e adora um casaco de pele. Há milhares de itens na vida de alguém sofisticado que você nunca conhecerá, caso não faça parte desse mundo.

Fica a dica: para parecer fino, elegante, sofisticado, vá lá, chique, só existe uma norma: a cara de tédio. Ou nojo. Está comendo e errou o talher? Bote a cara de nojo e fique cavoucando o prato como quem odeia a comida. Se o garçom perguntar se há algum problema com o prato, diga:

– Está tudo bem. É que estou sem apetite.

E faça mais cara de nojo ainda.

Há coisas que nunca se podem fazer. Roubar sabonetinho e xampu de hotel. É uma pobreza total. Pior ainda se embrulhar os sabonetinhos e der de presente. Pior do pior, é roubar sabonete de motel. Confesso, acho uma gracinha aqueles sabonetes pequenininhos. Mas onde botar? No banheiro para visitas, para ficarem sabendo que você foi em motel baranga – pelo sabonetinho se conhece o motel! Xi, foi ao que anuncia promoção de pernoite com café da manhã? Se tiver um relacionamento, vai engolir o sabonetinho quando o descobrir esquecido no porta-luvas do carro?

Mas, se você não quer ser brega, basta aparentar tédio. Ou fazer cara de nojo, como já expliquei.

Ah, sim, também não converse. Limite-se a “sim” ou “não”. Gente chique nunca está a fim de conversar. O silêncio é sofisticadíssimo.


Walcyr Carrasco

A Dieta Ideal



Sempre estive dividido entre a volúpia de comer bem e a necessidade de me alimentar com saúde. A gula venceu boa parte das batalhas. Nunca hesitei entre um camarão ao alho e óleo e um chuchu refogado. Mas a idade aumenta e o desejo de cuidar da saúde cresce. Aboli a carne de porco há anos, depois de ter lido que era a mais prejudicial. Se algum cientista dizia, devia estar certo. Abandonei os torresminhos, as linguiças, os pernis! Em minha recente viagem ao Japão, soube que pesquisadores do mundo todo estão estudando a dieta de Okinawa. É o lugar onde mais se vive no mundo. Há gente com mais de 100 anos andando de bicicleta na rua. O que eles comem rotineiramente? Carne de porco! Quase chorei de tristeza pelo tempo perdido! Lamentei-me por todos os lombos assados que desdenhei! E os ovos? Garantiam que a gema era um veneno para o colesterol. Eu adoro ovo. Mas passei a evitar. Com a maior cara de pau, o mundo científico, faz algum tempo, anunciou o contrário: ovo faz bem! Quem me devolve as omeletes não comidas?

Durante algum tempo, para melhorar o colesterol, eu tomava “água de berinjela”. Deixa-se a berinjela na água durante a noite e bebe-se em jejum. Não há maneira mais horrenda de começar o dia. No exame seguinte, meu colesterol continuava igual. Óbvio, o culpado era eu:
— Você deve ter exagerado em outras coisas. Se não fosse a berinjela, teria piorado! — acusou-me o médico alternativo.

Já cultivei uma coisa no aquário, até hoje não sei se vegetal ou animal. Era um espécime redondo que se reproduzia em placas que se colavam umas às outras. O segredo era beber daquela água todo dia, para garantir uma vida longa, saúde perfeita e inteligência aguçada. Foi moda numa certa época. Quando penso que bebia aquilo e ainda elogiava, não entendo por que não me botaram num hospício.

E a história dos radicais livres? Partem do pressuposto de que cada célula é uma “fábrica” cujo funcionamento deixa resíduos. É preciso eliminá-los com uma boa alimentação. A tese é ótima. A vilã sempre é a carne vermelha. Aconselha- se a substituição pela soja! Assim, tentei viver à base de carne de soja! Era tão gostosa como mastigar isopor! Também incorporei leite de soja.
— Você não é um bezerro! — explicou delicadamente o tal médico. — Pare com o leite de vaca.
Depois soube que o cálcio do leite animal é importante para os ossos! Em quem acredito?
A última moda em alimentação é a quinoa. Provém dos Andes e é considerada completa em termos nutricionais. Tem sabor de nada. Achava impossível algo ter sabor de coisa nenhuma, mas é o caso da quinoa. Dia desses, estava com um amigo em uma lanchonete. Ele vive de regime. Viu no menu: sanduíche de quinoa. Aconselhei: — É um alimento maravilhoso que não engorda.

Agi com boa intenção. Talvez ele gostasse. Veio um hambúrguer de quinoa frita. Duas desvantagens de uma vez: engordava por causa da fritura e só tinha gosto do óleo em que fora mergulhado! Quase perdi o amigo!

Tudo o que é delicioso parece fazer mal: batatas fritas, hambúrgueres, refrigerantes, hot-dogs, bacon e, claro, qualquer delícia feita de açúcar!

Penso na minha avó, que cozinhava com banha de porco e quase chegou aos 90. E em outras velhas que conheci. Talvez o povo do passado soubesse algo sobre alimentação que o tempo esqueceu. No mínimo, eles não viviam estressados com tantas dietas e informações. Sentiam-se felizes por desfrutar a comida. Dietas são boas. Mas acredito que o principal ingrediente para a boa saúde é a paz de espírito.

Walcyr Carrasco

Carta - Perdão

 



Essa carta é para todos aqueles que um dia me magoaram e me fizeram sentir a pior pessoa do mundo mesmo eu sabendo que não sou.
Todo mundo sabe que o perdão não é algo de fácil acesso que você encontra em uma loja de conveniência qualquer, e que na maioria das vezes vai custar muito encontrá-lo.
Perdoar dói, assim como crescer também dói. Mas hoje, mulher madura que sou, venho te entregar o meu PERDÃO

Eu te perdoo pelas vezes que me fez chorar;
Eu te perdoo pelas palavras duras, ditas sem pensar nas consequências que poderia trazer a mim;
Eu te perdoo pelas vezes que fui substituída sem ao menos ter um porquê.
Eu te perdoo pelas inúmeras atitudes que deixaram mágoas;
Eu te perdoo pelas vezes que me fez sentir inútil;
Eu te perdoo pelos momentos em que me desprezou perante outras pessoas;
Eu te perdoo pelas suas ausências nos momentos em que eu mais precisei;
Eu te perdoo pelas vezes que lhe faltou compaixão;
Eu te perdoo pela falta de interesse relacionada a minha história;
Eu te perdoo pelas vezes em que não me amou da forma que eu esperava;
Eu te perdoo pela falta de atenção para comigo;
Eu te perdoo por não validar meus sonhos;
Eu te perdoo pelas chatices que se transformaram em ranço extremo;
Eu te perdoo pelos abraços não dados mesmo sabendo que eu os precisava;
Eu te perdoo pelas vezes que fui ignorada;
Eu te perdoo pelas vezes que não fui incluída em sua vida;
Eu te perdoo pela falta de sensibilidade;
Eu te perdoo pela ingratidão;
Enfim, eu te perdoo por tudo que de alguma forma me atingiu!

Posso passar o dia listando situações que necessitam do perdão, mas essa pequena lista resume a profundidade das minhas feridas. Algumas em processo de cicatrização, outras já cicatrizadas, e outras ainda abertas, mas todas profundas!

"Ah, mas você não pode agir como um alecrim dourado!" 

E nem quero, mas tudo tem importância para mim! E sim, sou extremamente intensa! Em tudo e com tudo! E sei que não vou mudar. Posso tentar melhorar para não sofrer, mas mudar completamente e radicalmente não dá. É a minha essência!

Ao pesquisar uma imagem bonita no Pinterest que representasse o perdão, apareceu essa que inseri no post com a seguinte legenda: "Perdoar faz bem ao coração!" E faz mesmo! Ao meu que estou liberando o perdão sincero e ao seu que recebe o meu perdão.

Mas antes de tudo, EU ME PERDOO

Por todas às vezes que permiti que os pensamentos negativos viessem à tona e roubasse a cena da minha vida, e pior ainda, que se instalasse e criasse raízes tão difíceis de serem arrancadas. De achar que eu não era nada e ninguém, ou de remoer certas situações que não me levaram a lugar nenhum e nem mesmo acrescentou nada na minha vida.

O perdão é doloroso, mas gratificante! 

Hoje, faço uma simples reflexão: Se Jesus morreu em uma cruz por mim e para perdoar meus pecados, porque não encarar esse processo colocando um pouco mais de amor? Essa dor que sinto ao perdoar aqueles que um dia me machucaram, irá se transformar em gratidão. Porque de alguma forma foi aprendizado... para mim e para todos!